6 de maio de 2014

Acordei ao ser catapultada na direção inversa do túnel pelo imenso riso de alguém que nunca cheguei a ver e que me envergonhava intimamente. Quando abri os olhos, a pessoa que estava sentada ao meu lado, com os braços e o tronco em repouso sobre o meu corpo, levantou-se  sobressaltada pelo som de uma máquina que irrompeu o silêncio, aliviando-me do peso. Consegui ver um tubo que descia do meu rosto para o lado direito da cama. Estava lasso, percebi que podia mexer um pouco a cabeça e voltei-a lentamente para o lado esquerdo, de onde vinha a luz. Há um mês que não me mexia.
Era uma luz amarela, crepuscular, que passava através do vidro de uma pequena janela bastante alta, e iluminava um dos cantos da sala. Tudo estava imóvel em meu redor, não havia ninguém, nem nas outras camas nem na sala e o único som que podia ouvir vinha das máquinas, suave mas implacavelmente ritmado. Sabia onde estava, ou melhor, sabia a que história correspondia aquela imagem, aquele lugar, aquela pessoa ali deitada ligada a umas máquinas, mas ao mesmo tempo era uma imagem, e portanto uma história (do lugar e de mim própria), absolutamente indefinida, nem real nem irreal. Não sentia nada. Subitamente um ramo de plátano surge lá fora diante da janela e começa a bater contra o vidro, empurrado pela força do vento. O ritmo desse som, perfeitamente claro, impôs-se, fazendo-me esquecer aquele que soava no interior. O ramo, as folhas no ramo e as bolotas entre as folhas, batiam na janela, recuavam e voltavam a bater numa cadência instável, com a luz oblíqua de um fim de tarde (de março, soube mais tarde) a passar entre eles. Foi nesse momento que vi a vida pela primeira vez, o seu intenso ininterrupto movimento. Eu vivia.