5 de fevereiro de 2014

Na verdade, tornou‑se‑me cada vez mais difícil, mesmo insensato, escrever num inglês normal. E cada vez mais a minha linguagem me aparece como um véu que tem de ser arrancado para se aceder às coisas (ou ao Nada) por detrás dele. Gramática e estilo. A mim parece‑me que se tornaram tão irrelevantes como um fato de banho vitoriano ou a imperturbabilidade de um verdadeiro cavalheiro. Uma máscara. Tenhamos a esperança de que virá o tempo, que graças a Deus já chegou em alguns círculos, em que a linguagem é mais eficientemente usada quando mal usada. […] Cavar nela um buraco atrás do outro, até que aquilo que está à espreita por detrás – seja isso alguma coisa ou nada – comece a emergir. Não consigo imaginar hoje um objetivo mais elevado para um escritor.

Carta de Samuel Beckett a Alex Kaun, 1937.