No último Verão, enquanto fumava um cigarro à janela com um amigo a casa de quem tinha ido jantar, vimos numa varanda abaixo dessa janela dois adolescentes a namorar. Era uma noite de Sábado, um rumor de vozes, vindas de dentro da casa onde eles estavam, distinguia-se entre a música e o som do calor. Estavam sentados num banco de alpendre em madeira, de costas voltadas para o vazio. Ele procurava convencê-la, ela procurava dizer-lhe como não era preciso convencê-la. Houve poucos gestos verdadeiramente transgressores entre eles, mas houve o suficiente para que eu e o meu amigo ficássemos à janela a ver o folhetim e para que eu percebesse finalmente que dentro da casa não estavam adultos. O meu amigo disse «Temos de falar baixo para que eles não nos vejam e fiquem com vergonha».
A princípio, pensei que não me tinha dado conta imediatamente do que estava a ver, e que por isso tinha ficado. Pensei ainda que talvez observasse por divertimento, por estar a ver de fora e com distância o que me aconteceu a mim há apenas alguns anos atrás. Também pensei que fosse uma estratégia oportunista, e pretender estar a usar a intimidade de outrem como um auxiliar de memória. E pensei que talvez fosse aquilo ser adulto, talvez fosse aquilo o tempo, se nele houver algum privilégio. Foi depois, quando o meu amigo disse aquela frase, que comecei a aperceber-me que a minha satisfação em poder observá-los secretamente não estava ligada a nada. É certo que podia distinguir entre os ardis, o desejo e o pudor sem ser afectada por eles. Mas o que nós observávamos era a possibilidade do amor estar a nascer naquele momento. Fosse esse o caso, o que éramos, eu e o meu amigo? Queria que todos os seus gestos e palavras pudessem estar a ser gravados em mim, como uma memória, porventura decisiva, mas não apenas para eles. A satisfação que sentia era indecorosa, partilhada e insaciável.
Da varanda deles após o vazio e da nossa janela, via-se Lisboa, ao fundo o rio, a ponte, à direita um ou dois palácios, algumas nuvens numa noite muito quente, pouco silêncio. Mas só eu e o meu amigo víamos o horizonte da cidade. Os dois adolescentes viam a pele. Viam o que viam mesmo quando desviavam o olhar um do outro. Um chorrilho de palavras procurava a absorção dos seus ritmos. Eu e o meu amigo víamos a possibilidade e não conseguíamos desviar o olhar.