Pela terceira (ou será já a quarta...?) noite
consecutiva sonho que a meio do sonho olho para as minhas mãos que estão
a ficar cobertas de uma película fina de pele a cair, uma espécie de
rede muito frágil que a pouco e pouco está a adensar-se
e a fortalecer-se. Como a cor da pele que cai é o branco, a cor da pele
das minhas mãos está a desaparecer e a certa altura já só se vê dentro
dos pequenos alvéolos que rapidamente também desaparecerão.
O que
acontece noite após noite nestes sonhos (não é sempre o mesmo, apenas as
mãos se repetem) é que a certa altura alguém ao meu lado repara no que
está a acontecer e me avisa. Não sou surpreendida, sei o que está a
acontecer apesar de não saber porquê mas não quero ter de esconder as
mãos, o que também suspeito que serei obrigada a fazer a dado ponto,
caso as mãos fiquem totalmente cobertas de pele seca. Forço a pessoa a
voltar a olhar para o quer que estejamos a fazer nesse momento
tocando-lhe no braço mais próximo e dizendo «Sim sim, já sei, não te
preocupes» e mais tarde é o meu próprio pudor que acaba por levar a
avante («É hora» penso), forçando-me a escondê-las nos bolsos do casaco
enquanto caminho numa rua cheia de gente. Julgo que coro um pouco quando
finalmente as escondo, o que é uma sensação estranhíssima e me leva a
confirmar se quem julgo ser eu sou realmente eu, tão raro é que eu core.
Tenho vários pensamentos contraditórios, oscilo entre a resignação ao
recato e a liberdade que haveria em manter-me despreocupada com as
minhas mãos. Entre eles começa a chegar uma sensação de conforto e
segurança por ter sido capaz de proteger uma coisa tão delicada de cuja
beleza todos duvidam. Não sei o que vai acontecer, talvez me mate, mas
está a existir. E eu quero ver o que vai ser.
Quando subitamente me recordo disto na vigília estou sentada à secretária e, acto quase contínuo, tenho a necessidade de o escrever. Um par de horas mais tarde, quando acabei de me vestir e vou por creme nas mãos, o meu coração estremece: não tenho a certeza de ter sido um sonho.