24 de outubro de 2019

Os medíocres são sempre os outros. A nossa vida — sobretudo a interior — jamais é banal, vulgar, mas sim rara e extraordinária. É em nós que se encontra a beleza do mundo, nunca a fealdade. De outro modo, como poderíamos viver connosco? O sistema é esse, a integração exige esforço e não podemos ser inconvenientes. Pensa positivo filho, pensa positivo. Adormece sem insónias, sem medo, sem imaginação. A liberdade que não transgride e que não te deixa em pedaços, inseguro e inquieto, não te deixa ver de quantas fantasias és feito.

23 de outubro de 2019

Ex umbris et imaginabus in veritatem

Tell me you are looking for me
While away
Because I am
Without knowing
If the earth stopped spinning
And if time suddenly blossomed
Using lavish words
I can't hear.
Such is your silence:
A loss of intention,
A dead break,
A luxurious, hard, isolated
Language.

22 de outubro de 2019

Love is a self-made thing
I am free
I stare at the air and I see patterns
And your name is a song in my chest
The taste is metallic
How many billions walk this planet?
I feel them, I feel them
You show me my mass
Love is an endless sky
An endless cliché that imagines itself to be deep revelation
An open face, an open palm, an open plain
All open
The more that we close it the less that we know it
And just ‘cause I know it
Don’t mean I know how to show it
They’re taking everything from us and telling us nothing is ours
But here we are, dancing
You make me a microscope
You make me a map
I called it "love," I should have called it "trap"
"I trap you," I should have said tenderly
At the end of a long day
While we kept each other desperately stagnant
"I trap you so much"
Yes, I want you to be happy, but don’t threaten my happiness
Can’t you see I’m walking this threadbare tightrope?
Made out of dental floss stitched together with strands of tobacco and dog hair
And it stretches between two precious fantasies
My fantasy of me and my fantasy of you
And beneath, in raging red chopped razor teeth states of fury
Are all my insecurities
And all the little lies I like to tell myself
And every other reason that I can’t see the truth
"I trap you so much!"
I should have whispered in your ear as we fell asleep
Bodies unbound, sheets soaked, hearts hammering
If I see it clear, will it stay clear?
Will it be clear when you’re here?
I don’t want fear, I don’t want greed
I want freedom, I want to be free
I want you to be free, I want to nourish
I don’t want to feed like some ravenous mouth
With no guts, only greed, endless appetite
Need, need, need
You can’t free me, I free me, I breathe
If I am in pieces, is it easier to see?
I think I am whole now
I think I am more whole
But I still check my phone 17 times a minute
To see if you called and I missed it
Trap
Love is a self-made thing
Love is a self-made trap

Kate Tempest, I Trap You.
Conheci um casal de namorados que passava a vida no Facebook com repicadas demonstrações de amor. De um momento para o outro, contudo, as demonstrações pararam, levando-me a perceber que a relação tinha acabado. Os discursos não acompanham a verdade que age no nosso coração.

18 de outubro de 2019

I've lost any pretension to be loved. Those who can’t help but be loved are the ones who know the name of plants, those who know poems by heart and other who get lost in their way. My self-loss manifests through grief and makes the world such a meagre place that prevents me from losing myself. I am a being closest to matter, in a way in which I see no difference between me and the things out in the world, and I inhabit the poem like a caterpillar eating the heart of time.
A Encomenda do Silêncio

Já reparaste que tens o mundo inteiro
dentro da tua cabeça
e esse mundo em brutal compressão dentro da tua cabeça
é o teu mundo
e já reparaste que eu tenho o mundo inteiro
dentro da minha cabeça
e esse mundo em brutal compressão dentro da minha cabeça
é o meu mundo
o qual neste momento não te está a entrar pelos olhos
mas através dos nomes
pois o que tu tens dentro da tua cabeça
e o que eu tenho dentro da minha cabeça
são os nomes do mundo em brutal compressão
como um filtro ou coador
de forma que nem és tu que conheces o mundo
nem sou eu que conheço o mundo
mas os nomes que tu conheces é que conhecem o mundo
e os nomes que eu conheço é que conhecem o mundo
o qual entra em ti e o qual entra em mim
através dos nomes que já tem
de forma que o que entra pelos meus olhos não pode
entrar pelos teus olhos
mas só pela tua cabeça através
dos nomes dados pela minha cabeça
àquilo que entrou pelos meus olhos já com nomes
e do mesmo modo
o que entra pelos teus olhos não pode
entrar pelos meus olhos
mas só pela minha cabeça através
dos nomes dados pela tua cabeça
àquilo que entrou pelos teus olhos já com nomes
e assim o que tu vês
já está normalmente dentro de ti antes de tu o veres
e assim o que eu vejo
já está normalmente dentro de mim antes de eu o ver
e tudo quanto tu possas ver para aquém ou para além dos nomes
é indizível e fica dentro de ti
e tudo quanto eu possa ver para aquém ou para além dos nomes
é indizível e fica dentro de mim
e é assim que vamos construindo a nós mesmos pela segunda vez
tu a ti e eu a mim...
construindo urna consciência irrepetível e intransmissível
cada vez mais intensa e em si
tu em ti eu em mim
no entanto continuando a falar um com o outro
tu comigo e eu contigo
cada um
tentando dizer ao outro
como é o mundo inteiro que tem dentro da cabeça
e porque é e para que é
tu o teu mundo que tens dentro da tua cabeça
eu o meu mundo que tenho dentro da minha cabeça
até que morra um de nós
e depois o outro...

Alberto Pimenta, in As Moscas de Pégaso.

15 de outubro de 2019

Here arrived, I realize that I know nothing and that what I would like to know is very scant, almost imperceptible. As a result, I have little to say. My speech escapes narrative and is permanently penetrated by silence. I write now far away from the great ambitions, in a desert escarpment, windy and solitary. Nothing is coming my way and I have no desire to leave.
Soy el que sabe que no es menos vano
que el vano observador que en el espejo
de silencio y cristal sigue el reflejo
o el cuerpo (da lo mismo) del hermano.

Soy, tácitos amigos, el que sabe
que no hay otra venganza que el olvido
ni otro perdón. Un dios ha concedido
al odio humano esta curiosa llave.

Soy el que pese a tan ilustres modos
de errar, no ha descifrado el laberinto
singular y plural, arduo y distinto,

del tiempo, que es uno y es de todos.
Soy el que es nadie, el que no fue una espada
en la guerra. Soy eco, olvido, nada.

Jorge Luis Borges

10 de outubro de 2019

Fotógrafo desconhecido

9 de outubro de 2019

comer o luto
como uma maçã
roída por uma lagarta
MANOBRAS DE OUTONO

Manobras de Outono
Não digo: isso foi ontem. Com insignificantes
trocos de Verão nos bolsos, estamos de novo deitados
sobre o joio do sarcasmo, nas manobras de Outono do tempo.
E a nós não nos é dada, como aos pássaros,
a retirada para o sul. À noite passam por nós
traineiras e gondolas, e por vezes
atinge-me um estilhaço de mármore impregnado de sonho,
onde a beleza me torna vulnerável, nos olhos.

Leio nos jornais muitas notícias - do frio
e suas consequências, de imprudentes e mortos,
de exilados, assassinos e meríades
de blocos de gelo, mas pouca coisa que me dê prazer.
E porque havia de dar? Ao pedinte que vem ao meio-dia
fecho-lhe a porta na cara, porque há paz
e podemos evitar essas cenas, mas não
o triste cair das folhas à chuva.

Vamos viajar! Debaixo dos ciprestes
ou de palmeiras ou nos laranjais, vamos
contemplar a preços reduzidos
inigualáveis pôr-do-sol! Vamos esquecer
as cartas ao dia de ontem, não respondidas!
O tempo faz milagres. Mas se chegar quando não nos convém,
com o bater da culpa - não estamos em casa.
Na cave do coração, desperto, encontro-me de novo
sobre o joio do sarcasmo, nas manobras de Outono do tempo.

Ingeborg Bachmann
Quando regressares a Ítaca, à maneira de Ulisses, reza por uma viagem longa, que possas passar por muitos portos, ter uma vida cheia, uma vida plena de acontecimentos. Porque depois quando chegares a Ítaca, Ítaca não tem nada para te dar, deu-te a viagem.

Kavafis

8 de outubro de 2019

“People do not always know what they feel, nor do they acknowledge what they really know. Sometimes we say what we think we are supposed to say, or what we are used to saying; we don’t give the actual moment a chance. Sometimes we just try out saying certain things."

Sarah Schulman

27 de setembro de 2019

que habitação desejas erguer para mim,
que escritura negra quando alastrar o fogo?

hesitei muito tempo diante dos sinais,
expulsaste-me da própria densidade.

a noite vasta acolhe-me aqui,
com cavalos sombrios me afasto de ti.

Henri Michaux
Egon Schiele, «Seated woman in violet stockings», 1917.