5 de junho de 2016

trovejando sobre a casa
o som do avião
liberta-me do que é
e do que há-de ser
do outro lado da rua
o prato da vizinha ecoa
na minha casa
quando escrevo, acontece-me lutar contra os modos de falar do mundo, recortando laboriosamente o meu próprio modo de falar. tal tarefa acaba por me devolver uma imagem de mim mais limpa do que outrora, que sabe mais do que interroga, que está presente mais do que é ambígua. talvez por isso escrever se tenha tornado uma necessidade.

a minha casa faz eco
com a rua onde
as árvores restolham
Here form is content, content is form. You complain that this stuff is not written in English. It is not written at all. It is not to be read — or rather it is not only to be read. It is to be looked at and listened to. His writing is not about something, it is that something itself.

Samuel Beckett descreve Finnegans Wake.

4 de junho de 2016

A grandeza do homem é grande porque ele se reconhece miserável. Uma árvore não se reconhece miserável. É portanto ser miserável reconhecer-se miserável; mas é ser-se grande reconhecer que se é miserável.

Blaise Pascal

3 de junho de 2016

uma saudade, como cimento nas veias, enquanto me impeço de te escrever.
escrever é um ato de pura obediência. por toda a parte onde vou estou disposta à abertura silenciosa e nada desejo senão poder recolher-me absolutamente para escrever o que nela encontro. por toda a parte.
Long years ago indeed, as now
There sang the nightingale;
The sound was truly sweet;
Then, we were together.
I sing and cannot weep,
And thus, alone, I spin
The bright, clean threads
As long as the moon shines.

When we were together,
Then sang the nightingale;
Now her sound reminds me
That you are gone from me.

However often the moon shines,
I think on you alone;
My heart is bright and clean;
God grant we be united!

Since you have gone from me,
The nightingale sings constantly;
Her sound makes me think
How we were together.

God grant we be united
Where, so alone, I spin;
The moon shines bright and clean;
I sing, and would weep.
O suicídio, único acto verdadeiramente normal, por que aberração se tornou apanágio dos tarados?

E. M. Cioran, Esboços de vertigem.
Avanço debaixo do sol tórrido avenida abaixo. Não tinha nome esta rua e continuo sem saber o nome que lhe deram. De um lado, o hipermercado e, mais à frente, do mesmo lado, as casas novas e a escola onde andei. Do outro lado, o jardim de infância e, mais à frente, do mesmo lado, cafés e casas novas. Tudo isto foi construído após a minha partida. Se comparar os dois tempos, antes e após, passado e contemporâneo, antigo e novo, tudo está diferente. Onde agora existem lojas, prédios, escolas, um hospital e muitos carros, não havia nada senão oliveiras e erva. A avenida, feita de pó, não tinha sombras e custava atravessar, no verão por causa do sol em brasa, no inverno por causa da lama. Volto a atravessá-la com o mesmo sentimento de outrora. Esta terra, com as suas oliveiras e a serra a dominar a paisagem atrás das casas, ter-me-ia afundado na loucura. Os 18 anos que aqui vivi estiveram imersos num claro «tenho de sair daqui» e, ainda hoje, corto cuidadosamente as amarras que me ligam a este lugar. Quando venho, saio pouco de casa, para evitar o contacto com as pessoas. O lodo. Nada era possível e nada teria sido possível. Um tremendo sufoco, angústia, fechamento e solidão impregnavam os meus dias. Isso e um estranho sentimento de nojo perante os meus conterrâneos, apesar do qual, na maioria das vezes, evitava chocar sensibilidades. Era daí que provinha o mais terrível esforço, de ter de me esconder. Levei anos a subtrair-me ao silêncio conspirativo que me devorava e a descobrir que nem tudo é solidão e adversidade. Farejei com desespero esses bandos, procurando um lugar neles mas nunca compreendi as pessoas cuja existência não ressoa como um equívoco. Assim que surgiu a oportunidade, corri para o mais longe possível. Que me esquecessem, era o meu desejo, habitando casas que sempre me foram estranhas. Daí que, aprendi cedo, o amor é uma força cega que não traz necessariamente bem estar e conforto. Há amores cuja intensidade nos isola, que funcionam como um escudo entre nós e o mundo, perigosa e tragicamente, entre nós e nós próprios. Mas até no chão da batalha a vida se intromete, incólume.

2 de junho de 2016

o amor faz parte da engrenagem do mundo tal como a chuva e o vento. e exatamente nessa proporção.
Isto é... Bom, o que pode existir além disso? Ter uma pequena infância comum, uma infância comum cheia de paixão. Nada. Nada, absolutamente nada pode existir para além disso.

*

Já o disse em Hiroshima Mon Amour: o que conta não é a manifestação do desejo, da tentativa amorosa. O que conta é o inferno da história única. Nada a substitui, nem uma segunda história. Nem a mentira. Nada. Quanto mais a provocamos, mais ela foge. Amar é amar alguém. Não há um múltiplo da vida que possa ser vivido. Todas as primeiras histórias de amor se quebram e depois é essa história que transportamos para as outras histórias. Quando se viveu um amor com alguém, fica-se marcado para sempre e depois transporta-se essa história de pessoa a pessoa. Nunca nos separamos dele. Não podemos evitar a unicidade, a fidelidade, como se fôssemos, só nós, o nosso próprio cosmo.

Marguerite Duras

1 de junho de 2016

Emily Dickinson