19 de maio de 2025

“How can I describe my life to you? I think a lot, listen to music. I’m fond of flowers.”

Susan Sontag

12 de maio de 2025

costumo sentar-me perto deste canteiro na estrela. é um canteiro de alecrim e alfazema. quando as crianças passam, arranco a ponta de uma folha e ofereço-lhes, digo-lhes para cheirar. é o meu truque para gostarem logo de mim. normalmente ficam embasbacadas, não sei se com o cheiro se com uma estranha a falar para elas, e afastam-se lentamente, a custo, arrastadas pelos pais, sempre a olhar para trás na minha direção. também há as que me ignoram imediatamente, mal levam as mãos ao nariz, e desatam a falar pelos cotovelos, a correr de mão estendida no encalço do pai ou da mãe. há um banco mesmo à frente onde me sento a ler ao sol. se bem que hoje fui para lá escrever, com o computador mal empoleirado em cima dos joelhos e a apanhar sol também. o banco fica na entrada de um caminho. com outro arbusto logo à frente está resguardado, mas vê-se as pessoas a passar na estrada principal como se estivéssemos numa plataforma ligeiramente elevada. a maioria não dá por mim ali. as crianças não são a maioria. 
este arbusto era alto, frondoso, denso, parecia inesgotável. agora, depois de um crime a que falsamente chamaram poda, está assim. desde que o moedas está na câmara também fecharam os portões. há quatro portões na estrela e, antes, os portões abriam de par em par a toda a volta do jardim. agora há dois portões sempre fechados e nos dois que restam apenas abrem uma porta. há umas baias de plástico presas a pequenas estacas de madeira que rodeiam vários canteiros em permanência e se vão deteriorando com o sol e a chuva. o coreto foi fechado. de vez em quando, havia ali aulas de dança de salão, toda a gente podia ir. disseram que ia para obras de manutenção e puseram uns painéis de plástico à volta com a história elogiosa do jardim. as obras nunca chegaram a começar. os lagos continuam sem água. a japoneira continua raquítica. os músicos com colunas continuam a aparecer regularmente. são sempre os mesmos, a lei existe, simplesmente não há controlo. com a chuva que houve, a relva está a voltar. mas o verão vem aí. o que sobra da estrela talvez desapareça este ano.