Quem tem coragem de rir é dono do mundo, quase como quem está pronto para morrer.
Giacomo Leopardi
26 de abril de 2019
7 de abril de 2019
acontece por vezes cruzar-me com pessoas de quem gosto, mas que não me apetece cumprimentar. no supermercado, na fila para o cinema, na rua, nos transportes, na praia, há sítios que parecem exigir a nossa liberdade por via do anonimato. não há desprezo ou desconsideração nestas ocasiões, apenas o desejo de estar só, concentrada no que estou a fazer, quer isso seja caminhar ou comprar legumes. sou nefelibata, os devaneios na deriva pela cidade são constantes e necessários. quando me apanham, fico envergonhada, acomete-me um certo desespero por me faltarem as palavras ou por receio de perder o fio à meada dos meus pensamentos, muitas vezes textos a fazerem-se em pleno éter, alguns posteriormente concretizados, outros devorados pela impotência, pela falta de coragem ou de arrogância. o contrário também me acontece, vejo pessoas de quem não conheço senão simpatia evitarem cruzar olhares comigo ou serem surpreendidas num momento de intimidade. como podemos pretender salvaguardar a nossa intimidade nos locais públicos? o direito à intimidade está circunscrito a uma esfera restrita da vida privada, na qual, é bem suposto, ninguém pode penetrar sem consentimento. nesse sentido, ela é inviolável e, como diz Hannah Arendt, é regulada pelo princípio da exclusividade. a intimidade é a esfera que comanda as escolhas pessoais e legalmente, o que constitui a vida íntima das pessoas não é de interesse público. porque é exclusiva, sente-se lesada quando é invadida sem autorização. ora, hoje em dia (que do passado não sei), o acesso à intimidade quotidiana exerce sobre nós uma atração tremenda. queremos olhar para dentro das casas, conhecer as biografias, participar dos segredos, num movimento em direção ao ínfimo, ao insignificante, ao parcial. ao mesmo tempo que se circunscreve cirurgicamente a intimidade ao domínio do intangível, queremos penetrar o mais possível a sua esfera. em que nos transformamos quando surpreendemos e vigiamos o íntimo? o choque da familiaridade conforta-nos e seduz-nos e a estranheza entre nós e os outros cessa.
Subscrever:
Mensagens (Atom)