5 de janeiro de 2017

A primeira ópera que sobreviveu até à atualidade foi escrita para as bodas de Henrique IV e Maria de Médicis em 1600. É um trabalho de Jacopo Peri intitulado Eurídice, realizado após aquela que foi a primeira obra considerada uma ópera, Dafne, escrita aproximadamente no ano de 1594, no final do Renascimento, em Florença, por Jacopo Peri e Rinuccini, para um círculo de humanistas florentinos e atualmente desaparecida. As origens da Ópera são no entanto bastante anteriores, remontando à tragédia grega e aos cantos carnavalescos italianos do século XIV. Fui procurar esta informação, depois de, ao escutar uma peça na rádio, mais uma vez renovar o meu fascínio por este género. Não sei ainda porquê, mas creio encontrar ecos deste fascínio em algumas músicas da Pop, mais exatamente em músicas onde alguém grita. Como se apenas no extremo das vozes se encontrasse um limiar, a partir do qual tudo — e por tudo quero dizer também aquilo que é insondável — se descobre simultâneo na origem que o torna existente. 




3 de janeiro de 2017

de repente, no regresso a casa, um ruído de fundo preenche o ouvido e todavia diz-se esta uma rua silenciosa. algumas vozes ao fundo da rua no café, o meu gato que brinca com uma peça de plástico, um avião e agora o som das teclas enquanto escrevo. as paisagens sonoras, quanto mais silenciosas, mais perfeitas, diria, mas nem sempre foi assim. houve um tempo em que o silêncio era sinónimo de opressão e, penso agora, quem sabe se não me conformei simplesmente à angústia que dele emana, transmutando-a numa contemplação aparentemente inócua? porque haveria perfeição na imobilidade e na quietude e não precisamente na revolta e na afeção? aquilo que o corpo prepara em segredo muda a vida.

1 de janeiro de 2017

Chaque parole a une conséquence. Chaque silence aussi.

Jean-Paul Sartre
Tenho admiração por aqueles que descem em barda ao centro das cidades para assistir a fogos de artifício. Pelos homens que, com o avançar da noite e em silêncio, se servem de bebidas cada vez mais fortes. Pelas conversas, sobre o passado e as crianças, que se mantêm até altas horas à volta da mesa. Observo tudo como se nem à minha própria pele pertencesse.

29 de dezembro de 2016

um homem com um fato de trabalho
azul
come lentamente
debaixo dos limoeiros
e entre a folhagem
das trepadeiras
para onde arrastou uma cadeira
pois um único raio de sol brilha
nesse local
rodeado de escuridão.
o homem
come lentamente
com a cabeça pendida sobre o peito
sem saber que o observo da janela
enquanto fumo
e descobrindo sozinha
que somos irmãos.
não o chamo
mas ele diz-me o nome
que ouço como se não houvesse outra voz no mundo
nem outro homem
mas logo o seu nome me foge
escondendo-se de mim
e esqueço-o
enquanto a voz ainda ecoa.

28 de dezembro de 2016

26 de dezembro de 2016

Encontrava-me agora numa grande cozinha com mármore negro nas bancadas e uma ilha de madeira maciça onde se cortava pão sobre uma grossa tábua. Pálidos raios de sol atravessavam as portas envidraçadas e criavam um ambiente feérico, ou talvez tivesse essa sensação porque tudo estava finalmente limpo e as facas, os copos, o fogão e o lava loiças brilhassem nos seus lugares. Era uma casa enorme, com grandes salas, chão de madeira e paredes altas. Na cozinha, enquanto a observava terminar a limpeza, tive subitamente a sensação de que o tempo parava, ou pelo menos que abrandava de modo que pude estabelecer, com toda a tranquilidade e lentidão, uma comparação com a minha própria casa, pequena, minúscula de facto, com poucas coisas, apenas o necessário, e voltei a sentir, como por vezes acontecia quando me encontrava dentro dela e parava para pensar nisso, que nada mais desejava. Numa casa grande como esta, não saberia quem sou.
À medida que a noite avançou, o vestido, a princípio muito bem engomado e justo, de um vermelho vivo e com uma renda cor de pele no peito, ganhou duas pregas na cintura, duas gordas pregas criadas pelo movimento do corpo, que pronunciavam a barriga, lisa e redonda, e a tornavam finalmente humana.

23 de dezembro de 2016

o regresso às coisas antigas, e às memórias que elas me trazem, devolve-me uma paz amargurada que, sendo pouco rica e pequena, se torna, com o tempo, cada vez mais inspiradora.

22 de dezembro de 2016