28 de novembro de 2017

Devir é, a partir das formas que se tem, do sujeito que se é, dos órgãos que se possui ou das funções que se preenche, extrair partículas, entre as quais instauramos relações de movimento e repouso, de velocidade e de lentidão, as mais próximas daquilo que estamos em vias de devir, e através das quais devimos. É nesse sentido que o devir é o processo do desejo.

Gilles Deleuze & Félix Guattari, Mille Plateaux.

27 de novembro de 2017



Prenda do R., poema do António Reis.

26 de novembro de 2017

a verdade, embora improvável, é a verdade deste momento e — tenho mesmo de o escrever — inocente, fala silenciosamente. o mundo tal como ele é, é lúdico, inapagável, um tanto ameaçador. o melhor seria mesmo inventar um alfabeto, ainda que destinado a perder-se em todo o seu mistério, que celebrasse por momentos todas as contradições. como um transe, através de todas as metamorfoses, ambíguas e arbitrárias, a embriaguez seria ainda maior e mais pungente, o único bem da vida, enquanto à superfície a vida normal, não pensada e prosaica, como uma angústia diligente e firme, se organizaria como um teatro.

24 de novembro de 2017

eu nasci em 1931, no decurso da leitura silenciosa de um poema.

Maria Gabriela Llansol

21 de novembro de 2017

Outono

a nespereira
em frente à casa
deu flor
Le monde est excité le monde est exalté
Comme au festin du plus grand sacrifice
Comme en montant les marches du printemps

*

Moi seul imperturbable
En nouveau-né qui n’a pas encore… ri
Moi seul je vais errant
Sans but précis en homme sans logis

*

Si chacun tient sa richesse
Je parais seul démuni
J’ai l’esprit d’un ignorant
Celui-ci est bien trop lent

*

Si chacun est clairvoyant
Seul je reste obscurité

*

Si chacun est perspicace
Moi seul ai l’esprit voguant
À flotter comme la mer
À souffler comme le vent

*

Si chacun tend vers son but
Moi seul ai l’esprit confus

*

Tel celui d’un paysan
De tout un chacun moi seul diffère
Car je tiens bien à téter ma mère


Lao-Tseu, Tao-Tö King.
eu devia ter sido cantora. penso nisto sempre que oiço música do século XVII para trás (a esticar para poder incluir Bach e Purcell), embora não perceba nada de música. ainda tive umas aulas no Colégio, onde aprendi a ler uma pauta, tocar flauta e uma série de instrumentos de percussão e onde integrei um coro de vozes femininas. cantávamos em todos os naipes, apenas ao som do piano ou, como tantas vezes me calhou, a capela, na missa. os instrumentos estavam reservados às aulas de música e, pelo menos nos anos em que dele fiz parte, não entravam no coro. é possível que a minha breve participação neste coro, contudo, tenha vindo a definir, com maior relevo que aquele que conscientemente lhe atribuo, as minhas preferências musicais. sou ferozmente atraída para uma música de expressão arcaica, que se entremeia com a natureza e com o que há de mais arraigado em nós. nisso, sou coerente até pela escolha de música pop/rock que mais tarde vim a ouvir, onde encontrei muitas vezes ecos do género erudito e do folclórico. o jogo do tempo na música é simultaneamente físico e emocional: vem do interior do corpo, dos nossos ritmos de vida e pertence-nos tanto quanto não nos pertence, trazendo-nos por vezes uma parte de nós que nos falta, como o silêncio.

17 de novembro de 2017

a previsibilidade de uma rotina é o melhor resguardo da intimidade imprevisível.
a criança que eu era engolia caroços porque lhe disseram que assim nasceria uma árvore no estômago.

16 de novembro de 2017

a criança que eu era escondia-se sempre que podia para caminhar para trás, porque lhe disseram que assim estava a ensinar o caminho ao diabo.