21 de julho de 2016

I go to the mountain side
of the house to cut saplings,
and clear a view to snow
on the mountain. But when I look up,
saw in hand, I see a nest clutched in
the uppermost branches.
I don’t cut that one.
I don’t cut the others either.
Suddenly, in every tree,   
an unseen nest
where a mountain   
would be.
                        
Tess Gallagher for Drago Štambuk.

19 de julho de 2016

estou contigo
na escarpa de Helderberg
onde nem o vento
perturba 
os nossos corações
que de tanta paz enlaçados
não falam

estou contigo
na escarpa de Helderberg
onde nada do que existe
para ser visto
excede o esplendor
da tua fragilidade
e mistério

estou aqui contigo
na escarpa de Helderberg
e pode ser sempre assim
o silêncio
uma terra perdida
as tuas mãos
um pássaro

estou contigo
na escarpa de Helderberg
sobre nós
cai a primeira neve
e até a nossa sombra
implora para ficar
entre as ervas

estive contigo
na escarpa de Helderberg
onde deixámos
de ser estranhas
e desconhecíamos
que o mundo
tem um fim

estou sem ti
na escarpa de Helderberg
quando é que foste
com os pássaros
e me deixaste
sem idade
entre a neve?
Certo dia, há muito tempo, numa noite de insónia, levantei-me para ir à janela ver as luzes acesas no bairro. Não conseguia dormir e lá fora não havia ruídos até que passou um carro com os faróis acesos, mas não me mexi. Apeteceu-me beber café mas fui limpar a secretária, o que normalmente não faço, pois o caos exterior liberta-me do interior. Isto foi no inverno passado e agora estamos em junho. A fúria por não conseguir adormecer deu entretanto lugar ao pânico. Tinha medo. Noites de delírio. Na rua deserta, nada ressoava, nem risos nem cães. Decorrida aproximadamente uma hora, saí para a neve, à luz fria do luar, como quem recebe uma dádiva. Como podem estas coisas ser tão belas e não haver nada que possamos dizer? Esperei calado e radioso enquanto pequenos flocos de neve caíam. A folhagem das árvores apodrecia. Tudo acordou calmamente e retomou sentido. Depois voltei para o quarto, como se a manhã fosse ofensiva.

18 de julho de 2016

o primeiro homem
não vê nada
está envenenado
pela língua
com uma exceção:
os sonhos
onde até o seu rosto
que desconhece
lhe parece
verosímil
There is a particular kind of pain, elation, loneliness, and terror involved in this kind of madness. When you're high it's tremendous. The ideas and feelings are fast and frequent like shooting stars, and you follow them until you find better and brighter ones. Shyness goes, the right words and gestures are suddenly there, the power to captivate others a felt certainty. There are interests found in uninteresting people. Sensuality is pervasive and the desire to seduce and be seduced irresistible. Feelings of ease, intensity, power, well-being, financial omnipotence, and euphoria pervade one's marrow. But, somewhere this changes. The fast ideas are too fast, and there are far too many, overwhelming confusion replaces clarity. Memory goes. Humor and absorption on friend's faces are replaced by fear and concern. Everything previously moving with the grain is now against... you are irritable, angry, frightened, uncontrollable, and emerged totally in the blackest caves of the mind. You never knew those caves were there. It will never end, for madness carves its own reality.

It goes on and on, and finally there are only other's recollections of your behavior... your bizarre, frantic, aimless behaviors... for mania has at least some grace in partially obliterating memories. What then after the medications, psychiatrist, despair, depression, and overdose? All those incredible feelings to sort through. Who is being too polite to say what? Who knows what? What did I do? Why? And most hauntingly, when will it happen again? Then, too, are the bitter reminders... medicine to take, resent, forget, take, resent, and forget, but always to take. (...), explanations due at work, apologies to make, intermittent memories (what did I do?), friendships gone ordained, a ruined marriage. And always, when will it happen again? Which of my feelings are real? Which of the me's is me? The wild impulsive chaotic, energetic, and crazy one? Or the shy, withdrawn, disparate, suicidal, doomed, and tired one? Probably a bit of both, hopefully much that is neither. Virginia Woolf, in her dives and climbs, said it all, "How far do our feelings take their colour from the dive underground? I meant, what is the reality of any feeling?"

Kay Jamison, An Unquiet Mind.

17 de julho de 2016

quis ser bailarina e quis ser pintora. o primeiro projeto foi gorado por ter nascido numa família com poucos recursos financeiros e o segundo não sei bem por que motivo, pois não me deixaram ir para a escola onde podia ingressar no curso com as disciplinas que me dariam acesso ao ensino superior artístico. depois vieram outros projetos e todos eles foram igualmente gorados, alguns por minha própria iniciativa. tive muitas profissões. desde os tempos em que apanhava fruta no verão, passando pelos restaurantes e bares, à produção, comunicação e modelo. aquilo que, ao longo da vida, observo, sempre fiz, foi escrever, e isso, bem ou mal, fi-lo realmente sempre.
No final das suas aventuras, Dom Quixote recupera a sanidade, mas mantém a melancolia.
Perhaps my sense of reality is not very highly developed, perhaps I lack a sound and reassuring instinct for the solid facts of our earthly existence; I can’t always tell memories from dreams, and often I mistake dreams, coming to life again in colours, smells, sudden associations, with the eerie secret certainty of a past life from which time and space divide me no differently and no better than a light sleep in the early hours.

Annemarie Schwarzenbach, All the Roads Are Open: The Afghan Journey.

16 de julho de 2016

há furiosas raízes
que crescem
onde não estás

14 de julho de 2016

que coisas me ocupavam em criança? de tempos a tempos penso nisto e sempre me ocorre a imagem de desenhar casas, plantas de casas, retiradas de livros técnicos de arquitetura. não sei por que razão retirava tanto prazer e me ocupava tanto tempo com estes desenhos. sei que comecei por copiar as plantas e, uma vez tendo aprendido os códigos, comecei a construir as minhas próprias. lembrei-me disto hoje quando recordava, com um prazer idêntico, a casa de uma amiga de faculdade, com quem trabalhei algumas vezes. tal como outras casas que visitei e continuam vivas na minha memória, esta casa era em tudo diferente daquela em que vivia, bem como daquela onde tinha crescido. ficava no último piso de um edifício no Restelo, em Lisboa, ao lado de Monsanto, de uma bomba de gasolina, que ainda lá está e de uma loja de conveniência, que entretanto desapareceu. tinha uma grande sala com sofás azul claro e branco, com uma mesa de jantar em vidro e uma área com cadeiras, livros espalhados, e ramos de flores em cima dos aparadores. contudo, e apesar da grande beleza e evidente cuidado que alguém tinha tido na escolha dos objetos que a preenchiam, tudo se encontrava em grande desalinho. o pó amontoava-se, as flores estavam secas, as almofadas não eram sacudidas há muito, havia janelas partidas, algumas zonas dos tapetes pareciam não ser pisadas há anos. na verdade parecia que a casa não era ocupada. lembrei-me disto e imediatamente recordei que era a única peça da casa com luz, uma luz intensa vinda de três lados da sala. embora parecendo igualmente desabitado, o resto da casa era bastante sombrio, incluindo na escolha dos tons de tinta das paredes, e parecia pertencer a outra casa, esta antiga, senhorial, vitoriana. havia alguns quadros nas paredes e todas as minhas perguntas eram respondidas: quem eram aquelas pessoas? o que tinham feito? de quem era aquele quarto? porque é que esta sala está fechada? trouxe dessa casa, pelas mãos generosas da minha amiga, uma fotografia de uma mulher que aperta nos braços um bebé num dia de muito vento, com a paisagem da lagoa das sete cidades nos Açores por trás, que conservo até hoje como um tesouro. são pessoas que viveram naquela casa noutros tempos, quando estava cheia de vozes de crianças e ainda ninguém tinha morrido. talvez fosse isso o que me interessasse nas casas quando era criança: era uma forma de observar a precoce, mas lúcida, revelação de que tudo passa.