Truth is stranger than fiction, but it is because fiction is obliged to stick to possibilities. Truth isn't.
Mark Twain
20 de setembro de 2014
18 de setembro de 2014
A minha mãe diz que o dia em que eu nasci era
feio de assustar, com uma tempestade violenta a fazer abanar o céu, a
crosta terrestre e o que há pelo meio. Depois diz que eu era tão bonita
que foi como ver nascer o sol, que todos na maternidade quiseram ver.
Quando contava isto olhávamos sempre uma para a outra a sorrir, como quem reconhece que alguma coisa neste mundo deve estar certo: eu tinha encarnado alguma coisa desse contraste.
Quando contava isto olhávamos sempre uma para a outra a sorrir, como quem reconhece que alguma coisa neste mundo deve estar certo: eu tinha encarnado alguma coisa desse contraste.
16 de setembro de 2014
Lembro-me duma passagem em que o protagonista pensa ter matado o seu perseguidor. E logo pensa: se o matei, não resolvi coisa alguma porque o mal é mais profundo.
(...).
Também é por isso que os meus leitores se afeiçoam a mim; temos em comum o desprezo pelas ideias fixas. Mas reconheço que uma tal personalidade, que envolve na tolerância tanto os erros menores como os pequenos vícios, acaba por desculpar até os crimes.
Agustina Bessa-Luís, Contemplação carinhosa da angústia.
(...).
Também é por isso que os meus leitores se afeiçoam a mim; temos em comum o desprezo pelas ideias fixas. Mas reconheço que uma tal personalidade, que envolve na tolerância tanto os erros menores como os pequenos vícios, acaba por desculpar até os crimes.
Agustina Bessa-Luís, Contemplação carinhosa da angústia.
Ando pela cidade a resolver pendentes com lassidão, como se estivesse a fazer recados à mãe e houvesse no dever certa chave para a liberdade. Ameaça chover mas não chove, ameaça fazer sol mas o sol só timidamente aparece. O meu leque persegue-me, cada vez mais perto do corpo. Na última casa onde entro, portando já a centelha de melancolia dos fins (que não é melancolia, uma vez li uma palavra que definia isso muito melhor e que infelizmente não recordo agora), encosto-me ao balcão de madeira enquanto espero. A empregada regressa e ao ver o leque negro sair do bolso diz «Isto está impossível» ao que vou para responder que «É verdade, mesmo nas casas com...» mas ela interrompe-me completando de imediato a frase de forma tão eloquente que me deixa sem reação por uns segundos. «Com ar condicionado, sim» e continua. Fala como se adivinhasse os meus pensamentos mas sem a hesitação que me caracteriza. Não diz apenas que está um calor húmido, depois de o descrever faz-lhe corresponder os efeitos que lhe provoca no corpo e no espírito, diz entre as frases esta frase: «Parece que o tempo parou.» Estou maravilhada. Tenho os olhos abertos para ela, sorrio. Puxo mais pelo assunto e ela faz-me a vontade, fala sobre as condições meteorológicas como se falasse de um tratado de paixões da alma ou de Dante. Qualquer coisa assim, qualquer coisa que preenche os espaços e soa virtuosamente. Ouvir a sua voz, foi a coisa mais importante que me aconteceu hoje.
No regresso a casa recordo-me subitamente de Strangers talk only about the weather. Desconheço maior talento que o de fazer repercutir nos outros diálogos de onde nos ausentámos.
No regresso a casa recordo-me subitamente de Strangers talk only about the weather. Desconheço maior talento que o de fazer repercutir nos outros diálogos de onde nos ausentámos.
o meu destino é desiludir
fado absoluto
apurado
de imperativo secreto
que se estende em latitude e longitude
e se aplica ao mais comum
porém com confusão e risco
como um plural indiviso.
por definição admiráveis
a simplicidade, a clareza e a graça
não podem desiludir
e o seu contrário é forma de estilo
para que a delicadeza desiluda
é preciso criá-la com malogro
que tolha a prévia reputação
só temos a certeza de ter desiludido quando somos deixados a sós
quando eu escrever um livro hei-de desiludir primeiro aqueles que amo
e logo depois aqueles que admiro
e especialmente aqueles que invejo
hei-de ser tão pobre que nada se aproveite
vou por cá fora um nado-morto
e se nascer vivo mato-o mal venha à luz
darei a experimentar o sabor da vergonha inesperada
subjugada à minha melancolia pusilânime.
é falível estratégia saber que não se é ineludível
eu que não sou mestre de nada
serei desiludida
por ter amado
e em resposta à exigência do meu
maciço
intento
a desilusão há-de abater-se de forma implacável
lenta.
imperfeita, tosca, ridícula
condeno-me à invisibilidade selvagem
a minha língua
provocará repulsa
e medo por portar sezão
morrerei frágil e indefesa como uma criança
inofensiva
cabalmente ignorada
nem o meu nome será impuro
porque não portará prodígio
pois a sua matéria é a depravação
que tem inveterada indecência
e fede.
fado absoluto
apurado
de imperativo secreto
que se estende em latitude e longitude
e se aplica ao mais comum
porém com confusão e risco
como um plural indiviso.
por definição admiráveis
a simplicidade, a clareza e a graça
não podem desiludir
e o seu contrário é forma de estilo
para que a delicadeza desiluda
é preciso criá-la com malogro
que tolha a prévia reputação
só temos a certeza de ter desiludido quando somos deixados a sós
quando eu escrever um livro hei-de desiludir primeiro aqueles que amo
e logo depois aqueles que admiro
e especialmente aqueles que invejo
hei-de ser tão pobre que nada se aproveite
vou por cá fora um nado-morto
e se nascer vivo mato-o mal venha à luz
darei a experimentar o sabor da vergonha inesperada
subjugada à minha melancolia pusilânime.
é falível estratégia saber que não se é ineludível
eu que não sou mestre de nada
serei desiludida
por ter amado
e em resposta à exigência do meu
maciço
intento
a desilusão há-de abater-se de forma implacável
lenta.
imperfeita, tosca, ridícula
condeno-me à invisibilidade selvagem
a minha língua
provocará repulsa
e medo por portar sezão
morrerei frágil e indefesa como uma criança
inofensiva
cabalmente ignorada
nem o meu nome será impuro
porque não portará prodígio
pois a sua matéria é a depravação
que tem inveterada indecência
e fede.
15 de setembro de 2014
14 de setembro de 2014
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