8 de junho de 2016

através de um som, recordo-me subitamente de um eu que em tempos acreditava em forças mágicas, tinha esperança no futuro, alegria, serenidade e respirava bênçãos. volto a sê-lo, sem qualquer hesitação ou dificuldade, como se rejuvenescesse umas dezenas de anos e me libertasse até de mim.

6 de junho de 2016

ao longo dos séculos,
o problema
contaminou os sonhos
dos outros.
sendo assim,
traduzir os sonhos
resultava sempre
em formas inesperadas,
circulares,
que não podiam ser superadas.
um olhar de impotência, quase cómico. haverá lugar para mim? ter um lugar, como todas as histórias, ao invés de estar apenas em decomposição, embora com muito apetite. sou uma garça entre as garças; não que seja elegante, mas porque as garças são todas iguais. o fim chega sem dizer água-vai e a rapariguita que dorme na enxerga debaixo da figueira, ainda sonha em dar voz ao que tem no coração.
para onde vai o trovão
depois de abrir um buraco no céu
e, como um anzol,
fazer mexer os cantos da boca?

5 de junho de 2016

trovejando sobre a casa
o som do avião
liberta-me do que é
e do que há-de ser
do outro lado da rua
o prato da vizinha ecoa
na minha casa
quando escrevo, acontece-me lutar contra os modos de falar do mundo, recortando laboriosamente o meu próprio modo de falar. tal tarefa acaba por me devolver uma imagem de mim mais limpa do que outrora, que sabe mais do que interroga, que está presente mais do que é ambígua. talvez por isso escrever se tenha tornado uma necessidade.

a minha casa faz eco
com a rua onde
as árvores restolham
Here form is content, content is form. You complain that this stuff is not written in English. It is not written at all. It is not to be read — or rather it is not only to be read. It is to be looked at and listened to. His writing is not about something, it is that something itself.

Samuel Beckett descreve Finnegans Wake.