8 de outubro de 2016

estou apaixonada por gestos comuns, que se realizam desde o princípio do mundo, ainda que o princípio do mundo não exista. uma vasta maioria não tem concretização mas não são, por isso, menos determinados. pelo contrário, são precisamente esses gestos, perdidos no mar da existência, que justificam a nossa biografia.

7 de outubro de 2016

A ordem mais justa é um amontoado aleatório de lixo.

Heraclito, Fragmento 46.

5 de outubro de 2016

Três sonhos:

1. Três cineastas: Ozu, Kiarostami e desconhecido, em crianças, a brincar nas rochas de uma praia.
2. Professor de filosofia egípcio.
3. Alice na sala das portas com as portas todas abertas.

4 de outubro de 2016

Nothing strengthens authority so much as silence.

Leonardo da Vinci

1 de outubro de 2016

O homem comum da Idade Média, pelo contrário, nos seus trabalhos não se regia pelo relógio, mas pelo Sol: no Verão trabalhava mais, no Inverno, menos; e trabalhava em conformidade com o trabalho que havia a fazer: durante as colheitas, trabalhava mais, quando nada havia a fazer, preferia não fazer nada, e um terço do ano era de qualquer forma absorvido por feriados eclesiásticos e outros.

Dietrich Schwanitz, Cultura.
contudo, o que importa a felicidade? não passa de uma constância e a vida não é feita de constância. a vida é um mergulho num movimento sempre novo que, tal como acontece na natureza, não distingue entre a dor e o prazer. o luto renova-se a cada instante pelo instante que já passou e o que começa lança-nos sem porquê na alegria de simplesmente estar vivo.

30 de setembro de 2016

Nulle part: là où sont les gens, et qu'on oublie.

Adama Samassekou

28 de setembro de 2016

... a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.

Clarice Lispector
reparei há uns dias numa mudança em mim que, não sendo nova, só agora se tornou clara. tornou-se clara e logo percebi porquê, uma questão de volume. quase toda a minha vida me vi como uma pessoa que queria ser incluída. queria conhecer o mundo, queria conhecer as pessoas, queria conhecer a arte, queria conhecer a filosofia, queria conhecer o alto e o baixo, o dentro e o fora e, depois de conhecer o mutismo, queria conhecer a eloquência. no caminho para minha casa, os sons da cidade vão-se distanciando e com cada passo mergulho num laudo silêncio com vozes de pássaros, gaivotas e melros na maior parte, por vezes uma mulher que canta fado na rua enquanto lava as escadas, portas que se abrem, portas que se fecham, estendais que são puxados, o vento a passar na copa de uma nespereira que de tão gigante já ninguém colhe a fruta, a água das mangueiras de quem vem regar o jardim. em suma, o meu regresso a casa é uma festa precisamente porque me afasto do burburinho para me refugiar num minúsculo santuário, ou seja, para me excluir. é um movimento negativo, que me afasta dos ouropéis que encontrei por toda a parte. e agora, o que quero eu? são poucas as coisas que me interessam, especialmente depois de as ter experimentado ou visto. os meus sonhos resumem-se a quase nada e, em todo este tempo, foi isso o que encontrei de mais parecido com a felicidade.