23 de fevereiro de 2015

I am constantly trying to communicate something incommunicable, to explain something inexplicable, to tell about something I only feel in my bones and which can only be experienced in those bones.

Franz Kafka, carta a Milena Jesenska.

22 de fevereiro de 2015

Words and images run riot in my head, pursuing, flying, clashing, merging, endlessly. But beyond this tumult there is a great calm, and a great indifference, never really to be troubled by anything again.

Samuel Beckett, Malone Dies.
sentava-me agora a uma secretária com o meu computador em frente, começava a escrever sobre os meus pais e não saía de lá enquanto não tivesse terminado. comia quando me lembrasse da fome, deitava-me numa cama ou num colchão atrás da secretária para recuperar do sono, saía para caminhar quando alguma coisa me estivesse a bloquear para logo me arrepender e ter de voltar a correr para o computador, eu que odeio correr. o resultado, seria pouco ou seria muito? meia, uma página? cinco, cinquenta, quinhentas páginas? de quanto tempo precisava? de uma tarde, de um mês? um ano, dez? o que tenho para dizer sobre eles? agora sei, neste preciso momento sei, agora começava. agora a indiferença é irrisória. começava pelo fim.

21 de fevereiro de 2015

ora portanto: ando a ler ao meu sobrinho mais velho uma BD que reúne várias histórias de super heróis. hoje chegámos a uma onde aparece pela primeira vez a Mulher Maravilha. ela está num planeta qualquer cheio de gelo e aparece o Batman e o Robin. trocam umas piadas e entretanto ela diz: «bom, venham para dentro antes que gelem.», ao que o Robin diz entredentes para o Batman: «se continuares com essas roupas, vai ser difícil.» e o Batman retorque: «pensamentos puros Robin, mantém os pensamentos puros...».
neste ponto da história, ouvindo o silêncio do meu sobrinho, decidi parar e perguntei-lhe eu «a mulher maravilha é gira?», ao que o meu sobrinho respondeu «hum hum!» acompanhando a interjeição com um aceno de cabeça afirmativo. para minha surpresa, eis que continua (e aqui poderão efetivamente constatar que sim, ele sabe falar): «e aqui há outra! queres veres? (e começa a folhear as páginas, à procura de qualquer coisa no final do livro). eu já vi, está aqui. é a super girl.» decido ajudar. encontro uns desenhos de uma miúda de cabelo comprido loiro atado num rabo de cavalo, mini saia e copa 100b a voar. e pergunto: «gostas desta?» ele diz que sim. e novamente continua: «ela é que é a super menina. mesmo.» eu, que sou macaca e desconheço o que sejam os pensamentos puros de que o Batman estaria a falar, digo-lhe: «que giro, é loira como a mamã não é?». ele sorri. prometi ler mais amanhã e vim embora.

agora, alguém me diga que não estamos já neste ponto se faz favor.

17 de fevereiro de 2015

Thomas Becker, uma das sete fotografias da edição original de Nach der Natur, de 1988, de W.G. Sebald.

16 de fevereiro de 2015

a criança ri porque a mãe, que conversa com uma pessoa que encontrou na rua, ri. não pode participar na conversa, o conteúdo escapa-lhe, é-lhe estrangeiro. espanta-se sim com a repentina rutura do peso do quotidiano, cuja possibilidade, a princípio, se afigura até incompreensível. perante o frio enigma, a criança pergunta-se qual é o preço a pagar por essa alegria de contágio, de pura perda.

15 de fevereiro de 2015

no meio do caminho tinha uma pedra. nunca me esquecerei desse acontecimento na vida das minhas retinas tão fatigadas.
li agora num comentário no facebook No princípio era o verbo. E esse não nos podem tirar e pensei, quase automaticamente, ai podem podem.
já apenas dou crédito àqueles que se recolhem e protegem do mundo, aos que tomam a sua distância sobre sublevações sociais e movimentos políticos, que se rodeiam de cuidados quando usam palavras, atentos ao que nelas se constitui pelo seu verso, que nos escapa e que incomunicável finalmente nos isola. é a piada da vida.

14 de fevereiro de 2015

This bitter earth
What a fruit it bears
What good is love
That no one shares
And if my life
Is like the dust
That hides the glow of a rose
What good am I
Heaven only knows
This bitter earth
Can be so cold
Today you're young
Too soon you're old
But while a voice
Within me cries
I'm sure someone
May answer my call
And this bitter earth
May not be so bitter after all

Clyde Otis

13 de fevereiro de 2015

Remember that my life is wind. I have become the pelican of the desert, the owl of the ruins, and like a sparrow I am sitting alone on the roof.

Forough Farrokhzad, خانه سیاه است [The House is Black].