18 de janeiro de 2014

10 de janeiro de 2014

Alors, je peux déjà raccrocher quelque chose de la schizophrénie. Je peux dire : Bien oui, essayons de voir en quoi précisément le schizophrène éprouve l’impression lui-même de voyager, avec tout ce que ça implique. Chacun, chaque fois qu’on considère ou chaque fois qu’on s’occupe de quelque chose, on privilégie certains aspects. Moi, forcément, quand on rencontrait la schizophrénie, nous, qu’est-ce qu’on était amené à privilégier (?) les mille déclarations finalement des schizophrènes, où leur problème, "ça n’est pas celui de la personne", leur problème "ce n’est pas celui d’une structure". Leur problème, c’est celui d’un problème, mais... qu’est-ce qui m’emporte, et ça m’emporte aussi ? Qu’est-ce qui m’emporte et ça m’emporte où ça ? - ben oui c’est... Bien. Or à cet égard, moi ce qui me fascine, c’est la manière dont les schizophrènes, ils ont affaire à quoi (?) vous comprenez, ils passent leur temps.
C’est ça qui faisait une de nos réactions contre les éternelles coordonnées de famille de la psychanalyse. C’est que moi je n’ai jamais vu un schizophrène qui ait vraiment des problèmes familiaux, c’est même tout à fait autre chose. Enfin c’est trop facile ce que je dis parce qu’on peut toujours dire : Il y a des problèmes familiaux, mais en tout cas, au moins qu’on m’accorde qu’il ne les énonce pas et ne les vit pas comme des problème familiaux. Comment il les vit ?
Une des choses fortes il me semble, vraiment là, c’est presque ce qui maintenant me plaît le plus quand je repense à "L’anti-Œdipe", une des choses fortes de "L’anti-Œdipe", à mon avis et ça, ça devrait pouvoir rester, c’est l’idée que le délire est immédiatement investissement d’un champ social historique. Je dis ça devrait pouvoir rester parce que c’est le type d’une idée simple, c’est pas compliqué de dire : ben vous savez hein, qu’est-ce que vous délirez finalement, vous délirez l’histoire et la société, c’est pas votre famille ! Votre famille, je repense toujours au mot si satisfaisant de Charlus, dans la "Recherche du temps perdu", quand Charlus arrive, pince l’oreille du narrateur et lui dit : "hein ta petite grand-mère tu t’en fous, tu t’en fous canaille ?". D’une certaine manière on en est tous là. Ça ne veut pas dire qu’on ne les aime pas nos grand-mères, nos pères, nos mères, bien sûr on les aime. Mais la question c’est de savoir sous quelle forme et en tant que quoi.

9 de janeiro de 2014

Ontem li o seguinte, escrito a 19 de Julho de 2007:

"Durante a noite tive um sonho indicador.
Sonhei que estava num piquenique, já tinha composto o meu prato e estava a dirigir-me para uma mesa de madeira no parque e a conversar com as pessoas muito animada e satisfeita. Nisto, encontro a minha irmã que me começa a por mais comida no prato. Poe imensas coisas, coisas de que eu até gostava mas não me apetecia, coisas que eu não gostava de todo também, até que o prato ficou muito cheio, a abarrotar. 
Não quis dizer nada por medo de a magoar ou ofender. Quando ela acabou, toda contente por me ter enchido o prato, fui-me sentar na mesa de madeira a olhar para aquela pilha de comida com asco.
Acordei aflita e imediatamente surgiu esta frase na minha cabeça: «Não ponhas no teu prato mais do que és capaz de comer.»".

Podia ter sido ontem à noite.

8 de janeiro de 2014

Se há textos que me aparecem noutras línguas que não a minha, quantas coisas oiço em línguas que desconheço?

6 de janeiro de 2014

No dia em que finalmente convenci a minha mãe que já podia ser eu a escolher a minha roupa, ela disse:

- Está bem. Então fazemos uma experiência, vais por em cima da cama o que queres vestir hoje e quando tiveres tomado banho conversamos.

Lembro-me perfeitamente das peças que escolhi. Eram cada uma delas a minha preferida: o vestido de xadrez vermelho e preto, com pregas muito vincadas e laço atrás na cintura, que só me deixavam usar nas ocasiões especiais, umas meias de lã cor-de-rosa forte e umas sapatilhas bota brancas. Aquela escolha era um 'statement'. Não afirmava apenas que nada era sagrado, afirmava uma visão que remete para cruzamentos constantes, para um fluxo que dependia do tempo para se ordenar na sua desordem, onde os elementos mais fracos podiam subitamente revelar uma força sem a qual os restantes, tidos a priori como mais fortes, perderiam o sentido e onde o secreto e o visível seriam mutuamente corrosivos, como um pintor e uma tela. Em suma, afirmava sobretudo que eu achava que vermelho combina com cor-de-rosa.
Era uma luta antiga. Eu dizia que sim, a minha mãe horrorizava-se com a sugestão. Procurei criar argumentos para defender a minha causa, que nunca tinham sido aceites. Ali estava a minha oportunidade.
Quando acabei de colocar as peças em cima da cama e lhes voltei costas para ir para a casa-de-banho, senti uma sombra tomar-me. Abrandei o passo sem parar de andar e fiquei muito atenta a ela, um pouco assustada a princípio também. Tive a tentação de me esconder. Não o fiz. Trazia em si um frio. Era profunda, quase cósmica. Não sabia de onde vinha mas soube instantaneamente que fazia parte de mim e que não voltaria a desaparecer. Quis entrar nela como quem entra numa casa ainda às escuras para descobrir o que guarda mas o tempo do banho não seria suficiente. Entre uma coisa e outra vi um espaço muito liso, sem memória, uma vertigem irrecuperável, esse instante quotidiano em que se morre e a cujo prazer se dá outro significado.
Quando voltei ao quarto estava sorridente. Não me passou sequer pela cabeça que a minha mãe pudesse colocar obstáculos à minha escolha, portanto ver outra roupa em cima da cama matou-me.
Mal consegui falar. Percebi que os meus argumentos pesavam pouco, para não dizer que eram nulos, face à realidade com que me confrontava, que era peremptória. Seria necessário optar por outra estratégia para defender a minha posição e em último grau a minha identidade. Foi então que disse à minha mãe:

- Quando eu fizer 18 anos não mandas mais em mim.

Lembro-me que a minha mãe disfarçou um sorriso entre a zanga e a pressa de me fazer sair para a escola a tempo, perante o qual me mantive impassível. Fui para a escola a pensar na minha sombra, com as meias cor-de-rosa mas sem o vestido vermelho (negociações). Ia vestida de uma coisa que tinha começado a deixar de ser: uma criança.

13 de dezembro de 2013

No último Verão, enquanto fumava um cigarro à janela com um amigo a casa de quem tinha ido jantar, vimos numa varanda abaixo dessa janela dois adolescentes a namorar. Era uma noite de Sábado, um rumor de vozes, vindas de dentro da casa onde eles estavam, distinguia-se entre a música e o som do calor. Estavam sentados num banco de alpendre em madeira, de costas voltadas para o vazio. Ele procurava convencê-la, ela procurava dizer-lhe como não era preciso convencê-la. Houve poucos gestos verdadeiramente transgressores entre eles, mas houve o suficiente para que eu e o meu amigo ficássemos à janela a ver o folhetim e para que eu percebesse finalmente que dentro da casa não estavam adultos. O meu amigo disse «Temos de falar baixo para que eles não nos vejam e fiquem com vergonha».
A princípio, pensei que não me tinha dado conta imediatamente do que estava a ver, e que por isso tinha ficado. Pensei ainda que talvez observasse por divertimento, por estar a ver de fora e com distância o que me aconteceu a mim há apenas alguns anos atrás. Também pensei que fosse uma estratégia oportunista, e pretender estar a usar a intimidade de outrem como um auxiliar de memória. E pensei que talvez fosse aquilo ser adulto, talvez fosse aquilo o tempo, se nele houver algum privilégio. Foi depois, quando o meu amigo disse aquela frase, que comecei a aperceber-me que a minha satisfação em poder observá-los secretamente não estava ligada a nada. É certo que podia distinguir entre os ardis, o desejo e o pudor sem ser afectada por eles. Mas o que nós observávamos era a possibilidade do amor estar a nascer naquele momento. Fosse esse o caso, o que éramos, eu e o meu amigo? Queria que todos os seus gestos e palavras pudessem estar a ser gravados em mim, como uma memória, porventura decisiva, mas não apenas para eles. A satisfação que sentia era indecorosa, partilhada e insaciável.
Da varanda deles após o vazio e da nossa janela, via-se Lisboa, ao fundo o rio, a ponte, à direita um ou dois palácios, algumas nuvens numa noite muito quente, pouco silêncio. Mas só eu e o meu amigo víamos o horizonte da cidade. Os dois adolescentes viam a pele. Viam o que viam mesmo quando desviavam o olhar um do outro. Um chorrilho de palavras procurava a absorção dos seus ritmos. Eu e o meu amigo víamos a possibilidade e não conseguíamos desviar o olhar.

30 de novembro de 2013

Cheiro à minha tia na minha infância, a por lápis azul nos olhos diante da cómoda e do espelho. Eu estou sentada aos pés da cama, com os olhos muito abertos, a tentar perceber porque está ela a fazer o que está a fazer e a admirar todos estes objectos reunidos em torno de um rosto. A colcha é um pano rosa-velho bordado. Ou seriam as paredes? Havia um papel de parede em tecido, julgo eu, e era rosa-velho. Através da janela aberta daquele quarto, alguns anos mais tarde, num mês de Agosto, haveria de ouvir as cigarras e pensar que não pertencia nem àquele lugar nem a nenhuma daquelas pessoas. A solidão aos 10 anos, uma deriva sem quaisquer amarras e contudo já tão amarga.
Era Domingo. Antes de irmos almoçar, a minha tia saía do banho e vestia-se em frente à cómoda. Antes, ajudava-me a sentar na cama, logo atrás dela, os meus pés ficavam a balouçar. Um pouco na diagonal conseguia ver o rosto dela de lado e no espelho. Seguiam-se cremes atrás de embalagens de cremes, com vários formatos e cores. Ela ía espalhando no corpo e quando olhava para mim, qualquer coisa, que me trazia nula curiosidade, a fazia sorrir. Os cheiros invadiam o quarto: vários os cremes, de perfume, de pó de arroz, de maquilhagem, de laca, mas também dos objectos no quarto, como da caixa de madeira de jacarandá, aberta no final de tudo, onde estavam as pulseiras, os colares, os brincos, que ela me deixava sempre espreitar.
Por vezes perguntava-lhe: «Esse é para quê?», porque percebi que todos os produtos tinham uma utilização específica. Havia naquilo qualquer coisa de alquimia, incluíndo por serem segredos a que eu queria aceder. Nem sempre tinha a sorte de receber um pouco de creme ou uma nuvem de bâton na cara, mas nesses dias, quando finalmente saíamos à rua para ir ao café, eu tinha poderes sobrenaturais. Poderes silenciosos, daqueles que detêm uma verdade.
Esperei que, com a velhice a aproximar-se, o corpo me trouxesse todos os degredos. Mas este cheiro a creme Nivea e perfume surpreendeu-me com a mulher que na infância eu queria ser.

27 de novembro de 2013

Coisas sobre o funeral da minha avó:

O Sr. Martins subir até à mortuária num passo muito lento e começar a chorar agarrado a mim. Não por não se lembrar de mim (não se lembrava), mas porque também a sua vida está a chegar ao fim. Algo de amargura nos seus olhos, uns olhos de criança. Não falava. Não conseguia mover-se. Achei bonito que ninguém o tivesse impedido de não conseguir mover-se.

Nunca consegui suportar o toque das mãos frias dos mortos. Mas não foi assim com as mãos da minha avó: não as conseguia largar. Talvez porque, apesar de inertes, lembrava o seu calor.

Não querer que ninguém me desse os sentimentos.

Apetecer-me expulsar toda a gente da casa mortuária. Queria enterrá-la sozinha, com as minhas mãos, e longe de todos os olhares.


Coisas sobre a morte da minha avó:

Primeiro, o telefonema. O telefonema que se espera. A voz: «É melhor vires.» Levantei-me, peguei na chave do carro, e fui.

«É provável que ela não te reconheça», disse a voz. O que é que se sente quando se ouve isto? Não sei dizer. Um silêncio cuja qualidade não sei identificar.

Um quarto de hospital, um corpo que não reconheci. Beijo-a no rosto, os olhos dela muito azuis e muito fixos nos meus, como que para substituir a fala que tinha desaparecido. «Sabes quem eu sou?» Um sorriso.

17 de novembro de 2013

Como duas torradas, não acabo o café mas nunca o acabo, fico sentada na cadeira à mesa, com o computador à frente, a visão turvada, a turvar-se, no corpo o formigueiro da noite. Parece que espero mas não sei exactamente o quê nem tenho a certeza de ser uma espera. Apetece-me fumar, talvez seja isso, espero que passe o tempo para poder fumar, não quero começar a fumar demasiado cedo. O formigueiro ainda, espreguiço-me na cadeira. O gato vê e espreguiça-se também. De resto, nada. Na verdade, sei-o, o que espero é uma razão para me levantar da cadeira, como a fome me deu minutos atrás uma razão para sair da cama. Nada me resta senão esperar.
A luz já caía quando me levantei. Observo como a luz cai. Decido fumar um cigarro, depois de decidir que quero escrever. Para mim, é tudo uma questão de velocidade. Porque excluímos sempre a ideia de lentidão da palavra velocidade?