10 de julho de 2013
10 de junho de 2013
Acho bem que se veja o Harry Potter e o Chris
de Marker logo a seguir e se veja pornografia e se coma torrão de
alicante e farturas e se vá à feira do livro e se esteja todo o dia no Facebook a perder tempo e se mande os filhos para os avós e se jogue wee
com os filhos e se descubra que afinal o nosso destino de sonho não é a
Nova Zelândia mas sim os Vales secos de McMurdo e se perca a cabeça com
uma coisa simples porque isso é que é o amor e se invente uma palavra e
se fume como um parvo e se pegue no carro para fugir e se desligue a
televisão e se diga palavrões ao Aníbal na televisão e se tomem banhos
de imersão de 4 horas e me convidem que eu não tenho banheira. E acho
mal de toda a gente que disser mal.
Em frente à estação de Santo Amaro de Oeiras,
encontro o café «Carioca's». As duas mesas da esplanada estão ocupadas
respectivamente por duas mulheres a fazer manicure uma à outra (o cheiro
do verniz chega à estrada) e por um grupo de mulheres que descansam as
pernas em cima das pernas umas das outras. Entro e o deslumbre
completa-se: em todas as prateleiras só há copos de cerveja e cerveja.
Salva-se uma prateleira dentro da vitrina que tem bolo de frango, bolo
de carne, bolo de galinha e bolo de
queijo. A prateleira abaixo dessa tem copos, muitos copos e canecas, no
frio claro, como é que ninguém tinha pensado nisso antes. As pessoas
tratam-me como se eu fosse a rainha de Calcutá, não só o casal que me
atende ao balcão mas também aquelas com quem me cruzo até chegar ao
balcão. A música que se ouve é um chorinho sertanejo seguido de um
chorinho sertanejo, se é que eu sei o que é um chorinho sertanejo mas na
parede há um quadro com a letra da música da Adriana Calcanhoto. Na
estação não se ouve uma mosca.
24 de maio de 2013
Encontro no Facebook uma fotografia que é para mim uma representação
do horror, como algumas que conhecemos do Holocausto, de outras guerras e
genocídios e de micro acontecimentos que se tornaram macro imagens
através da comunicação social e da internet. Trata-se de uma imagem que
chocou o mundo há alguns anos, quando os timorenses lutavam pela sua
independência. Eu estava em França, e portanto afastada das lutas
solidárias que se desenvolveram em Portugal, até à libertação. Procurava
notícias nos jornais como quem procura água no deserto. Vi-a numa
revista técnica de fotografia, fazia parte de uma reportagem de páginas
centrais. Penso que nessa noite não consegui dormir ou não consegui
dormir bem. Com a revista na mão sem o intuito de a comprar, li o
pequeno texto que pairava ao lado da imagem e levei-a na garganta
tentando acreditar. Uma pessoa trincava uma perna humana na parte da
tíbia, segurando o pé acima da cabeça. O pequeno texto identificava a
perna como tendo pertencido a um timorense e a pessoa que a trincava
como pertencente às milícias armadas indonésias. Os guerreiros desciam
às aldeias vindos da montanha armados com catanas e depois da matança,
guardavam partes de corpos como amuleto ou como troféu. O contexto sendo
inimaginável, para mim tratava-se de uma imagem transformadora. O
possível tornou-se nesse dia, e nessa noite, uma escolha. Volto a
vê-la hoje, catorze anos depois, numa página no Facebook como capa de
um CD. Há qualquer coisa de puro (esse nome só como dizia a Duras) no
facto de estar a envelhecer.
25 de abril de 2013
Acho bem que se dance muito no dia 25. E que
se vá à praia. Que se passeie nos jardins e se convide a pessoa que
desde a Primavera passada se queria convidar. Que se leia a tarde
inteira com o telemóvel desligado. Que se almoce com a família. Que se
passe o dia entre filmes e sesta. Que se vá ao cinema. Que se vá ao
teatro. Que se saia com uns amigos para comer caracóis e beber jolas.
Que se faça meditação a tarde inteira. Que se penteie os gatos e se mime
os gatos e se brinque com os gatos. Que se passeiem os cães à
beira-rio. Que se passeiem os cágados. Que se desenhe, que se escreva,
que se oiça música, que se compre música que se faça música. Que alguém
me ofereça um cartaz destes. Acho bem que se faça amor da madrugada à
noite do dia 25. E acho mal de toda a gente que disser mal.
23 de abril de 2013
15 de abril de 2013
Abandonei a festa como se fugisse de um lugar assolado pela doença e pela morte. Uma obscuridade deformava monstruosamente a linguagem, os rostos e os gestos. Havia medo. Havia ganância, futilidade, mentira, ilusão, uma miséria intolerável como um pesadelo. Sono, delírio, a gestação de crimes profanos. Saí para respirar mas durante algum tempo o ar pareceu-me pútrido como o ar da cama onde transpirámos com febre, a cama que nos foi estranha ao regressar desses pesadelos. Como num delírio febril, residia a suspeita, ou a intuição, de que a pestilência invadia a vigília e vigiava.
Mais tarde, já a caminho de casa, senti-me devolvida a um tempo adolescente, onde a dor e a carne florescem. Esse vasto território onde a luz é permanentemente arrancada à sombra.
Mais tarde, já a caminho de casa, senti-me devolvida a um tempo adolescente, onde a dor e a carne florescem. Esse vasto território onde a luz é permanentemente arrancada à sombra.
21 de março de 2013
26 de outubro de 2012
A caminho de casa vejo sentado na paragem do autocarro um
homem com um fato completo, muito engomado. Tem a camisa aberta dois ou três botões, o cabelo encaracolado puxado para trás, os olhos grandes, maiores que o rosto, muitos sinais pequenos como a minha mãe e é moreno como um cabrita. Encurvado, segura um pequeno pacote de papel nas mãos, de onde tira castanhas ainda a fumegar. Chego à paragem e depois de fumar um cigarro, sento-me ao seu lado e desejo uma daquelas castanhas. Ele oferece-me uma, eu estou sem grande surpresa. Qualquer coisa neste homem me parecia familiar, como se tivéssemos marcado ali encontro, neste dia e a esta hora.
Enquanto descasco a castanha, digo-lhe para agradecer e porque é verdade: «É a primeira que vou comer este ano! Parece estar bem assada.» Ele sorri, confirma a veracidade do que acabo de dizer e imediatamente prolonga a conversa com um convite para jantar. Recuso o mais delicadamente possível, dizendo que vou ao cinema, o que é verdade. Então ele começa a falar sobre cinema, ou melhor, sobre cinemas.
Diz primeiro que ao que parece, «esse acontecimento que anda aí com muitos filmes, que passa depois da televisão» está a ter muito sucesso. «O DocLisboa?», pergunto, «Isso mesmo!», responde sorrindo. Depois fala dos cinemas onde costumava ir em Lisboa. A lista é infindável. Éden, Odeon, Paris, São Jorge, Alvalade, Quarteto, Cinearte, um que havia no Coliseu, o do Chiado(-Terrasse), o Império, o Monumental e mais. Estou impressionada, e digo-lho, com a quantidade de salas de cinema que havia em Lisboa. Ele responde, naturalmente, que a televisão veio alterar tudo. Vejo-o olhar para a frente e hesitar brevemente antes de me segredar: «Aqui que ninguém nos ouve, eu até chegava a ir aos Piolhos». «Os Piolhos? O que eram os Piolhos?», pergunto, imaginando já a resposta. «O Piolho era ali no Olympia! E havia outro lá em baixo, no Martim Moniz!» Olhos nos olhos, bem abertos, largamos os dois a rir. Quando olhávamos um para o outro riamos mais alto. Um outro homem na paragem olhava para nós com um ar desconfiado. O homem das castanhas diz-me baixinho: «As sessões eram contínuas...!» E voltamos a rir antes de ficarmos os dois em silêncio a olhar para a frente, a pairar.
Enquanto descasco a castanha, digo-lhe para agradecer e porque é verdade: «É a primeira que vou comer este ano! Parece estar bem assada.» Ele sorri, confirma a veracidade do que acabo de dizer e imediatamente prolonga a conversa com um convite para jantar. Recuso o mais delicadamente possível, dizendo que vou ao cinema, o que é verdade. Então ele começa a falar sobre cinema, ou melhor, sobre cinemas.
Diz primeiro que ao que parece, «esse acontecimento que anda aí com muitos filmes, que passa depois da televisão» está a ter muito sucesso. «O DocLisboa?», pergunto, «Isso mesmo!», responde sorrindo. Depois fala dos cinemas onde costumava ir em Lisboa. A lista é infindável. Éden, Odeon, Paris, São Jorge, Alvalade, Quarteto, Cinearte, um que havia no Coliseu, o do Chiado(-Terrasse), o Império, o Monumental e mais. Estou impressionada, e digo-lho, com a quantidade de salas de cinema que havia em Lisboa. Ele responde, naturalmente, que a televisão veio alterar tudo. Vejo-o olhar para a frente e hesitar brevemente antes de me segredar: «Aqui que ninguém nos ouve, eu até chegava a ir aos Piolhos». «Os Piolhos? O que eram os Piolhos?», pergunto, imaginando já a resposta. «O Piolho era ali no Olympia! E havia outro lá em baixo, no Martim Moniz!» Olhos nos olhos, bem abertos, largamos os dois a rir. Quando olhávamos um para o outro riamos mais alto. Um outro homem na paragem olhava para nós com um ar desconfiado. O homem das castanhas diz-me baixinho: «As sessões eram contínuas...!» E voltamos a rir antes de ficarmos os dois em silêncio a olhar para a frente, a pairar.
28 de agosto de 2012
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