29 de janeiro de 2012

A primeira coisa que disse quando nasci, ainda nas mãos da parteira foi:

«Mãe quero ir para Lisboa.»

Durante os primeiros 18 anos, Lisboa foi uma palavra
e um objetivo.

Ainda hoje,
o que mais me emociona no Casablanca
é essa palavra.

Lisboa é muito simples.
Os sítios de que gostamos mais vão variando, consoante a distância a que estamos deles.

Eu por exemplo gosto muito de um sítio onde nunca fui.

Um sítio
onde
ainda
nunca fui.

Vivi em quase todos os bairros da cidade.
Gosto dos contrastes de Lisboa.
No verão, o cheiro a laranjas é tão forte que se confunde com o cheiro a alcatrão.
Há uns anos, depois de passar pelo trânsito da Avenida da República e da Praça de Espanha, atravessava Monsanto;
via esquilos atravessar a estrada
e grupos de cavalos entrar no nevoeiro.

Este ano celebro 18 anos de vida em Lisboa.
Tantos quantos os que vivi na cidade onde nasci.

Falo agora dela como se fosse minha, como de uma amante, e esqueço frequentemente que nunca somos totalmente preenchidos pelas coisas que amamos.



Lisboa, janeiro de 2012.
Texto para Drifting/Em Deriva, de Gustavo Ciríaco e António Pedro Lopes.

28 de janeiro de 2012

Haiku lisboeta

Sentada num banco de jardim
No inverno ao Sol
O sangue começa a descer.

16 de dezembro de 2011

Como a uma menina de 10 anos ocorre-me preencher páginas a fio com o teu nome. Socorrer-me da escrita, da força da mão, para procurar entender e sublimar um sentimento oculto, contido, sem outra expressão possível.

9 de fevereiro de 2011

a colher cai sobre a mesa
uma mancha de água cinzenta alastra na toalha
uma gota aloja-se na minha pele

mergulho

sabe ao mar dos dias
onde viajo numa escuridão insuficiente
intrigada por todas as que sou

falo

pronuncio um só nome para seduzir
desprendida e morta, já morta
mantenho o chá sobre a mesa.

12 de janeiro de 2011

Uma língua sem linguagem

A vaga assome e eu procuro por toda a parte a forma que cresce em mim e cuja força se estende no espaço muito para além de mim, muito para além da casa, das ruas, da cidade e cria um outro mundo para além do tangível e inteligível. Sou uma vaga de labaredas poderosas que ninguém senão os loucos sabe navegar. Remonto do primeiro mergulho e vejo o meu corpo transformar-se rapidamente nesse animal sedutor que caminha entre os destroços vivos dos poetas, repetidos até à exaustão. Oiço tudo, vejo tudo. A rapidez da vida absorvendo cada instante não-vivido para a morte. Eu não morro, já morri, agora sou apenas o instante, veloz como ela, e em breve não me restará outra língua para além do grito que ninguém poderá ouvir.

10 de dezembro de 2010

Manoel de Oliveira - Acto da Primavera (1963)